sábado, 8 de dezembro de 2007

24. Do high-tech para o my-tech

Sempre fui muito irrequieto e até um pouco afoito e intolerante em relação a certas coisas, e essas características de minha personalidade aliadas a uma certa arrogância não me deixavam ficar sem fazer nada e também não permitiam que eu me dedicasse a coisas que eu considerava medíocres em todos os (muitos) empregos que eu tive. Assim, embora o SERPRO fosse um ótimo emprego e representasse a possibilidade de uma longa carreira e uma boa aposentadoria - coisa que eu nem considerava na época, chegou um momento em que, por algum motivo ligado àquelas características minhas eu decidi que deveria tentar uma carreira solo. Com o ótimo salário do SERPRO tínhamos comprado nossa primeira casa no bairro das Charitas, em Niterói, na rua João Delgado 10, a segunda rua paralela à praia (antes do alargamento e do calçadão que existe hoje cheio de quiosques). Era uma casa muito interessante de dois pavimentos e dois quartos. Tinha, no pavimento inferior, um corredor de entrada que dava logo acesso à cozinha (do lado esquerdo) e do lado direito, à uma escada que levava ao segundo pavimento. Em baixo dessa escada construí um lavabo e a parede do corredor em frente à porta desse lavabo eu revesti com um "outdoor" do Chiclete com desenhos inspirados nos desenhos do Robert Crumb como o que se vê abaixo.


A sala vinha logo em seguida e era conectada com um espaço que devia ter sido uma varanda e que agora era uma extensão da sala, embora separada dela por uma incompreensível parede, que dava para o quintal. Como o terreno era em declive, essa antiga varanda na verdade cobria um pequeno espaço que ficava ao nível do quintal e que naturalmente acabou se convertendo em meu estúdio. Meu amigo Júlio Cesar Christophe da Silva, o Murce me ajudou com uma marreta a derrubar a parede de união entre a sala e esta tal ex-suposta-varanda, juntando-a à sala fazendo com que ela ficasse enorme. No pavimento superior eram os nossos quartos. Entre eles um bom banheiro. O quarto das meninas dava para a frente e o nosso para uma varanda, que por sua vez dava para o quintal e de onde se avistava o mar. O pôr-do-sol nas Charitas é lindo, e dessa varanda, deitados na rede, podíamos vê-lo em toda sua beleza.



O tal espaço ao nível do quintal que transformei em meu estúdio era muito pequeno, embora simpático. No quintal construí uma piscina que revesti de mármore (um luxo) que o Marcelo Ribeiro conseguiu de graça de um de seus clientes, a Marmoraria São João. Eram placas uniformes, que nem azulejos, que a marmoraria ensaiava vender como material de revestimento de fachadas e que o Marcelo estava fotografando para um folheto para divulgar essa possibilidade. Fiz também um filtro artesanal para a piscina. Fim de semana e a casa ficava cheia. Amigos nossos, poucos, e das meninas que estavam na adolescência, muitos, todos na piscina que dava uma trabalheira para limpar e conservar. Piscina é bom na casa dos outros. Na parede de um dos vizinhos, o Oswaldo que confinava com o nosso quintal e que acompanhava a forma da casa dele, pintei um mural que reproduzia uma casa "fake" que ficou engraçado. Fiz um ajardinado na frente da porta de mentira e ficou bem interessante.



Os vizinhos do outro lado eram muito pobres e problemáticos mas tocavam uns chorinhos de cavaquinho num gravador aos fins de semana que eram ótimos.
Voltando à minha irrequietude, acabei por me enfadar de ter pouco o que fazer no SERPRO, embora estivesse sempre inventando algo, e pedi as contas. Eu já estava fazendo alguns trabalhos como e pretendia investir numa carreira solo. Como o estúdio em casa era pequeno, aluguei um porão de uma casa em frente à nossa na mesma rua João Delgado e ali instalei meu primeiro escritório com ares pseudo-empresariais. O Nelson de Moraes Mendes, um de meus alunos brilhantes foi meu parceiro lá e com o primeiro dinheiro que ganhou comprou uma bicicleta Peugeot zero km que ele chamava carinhosamente de “camelo”. Foi de bicicleta também que nos chegou uma estagiaria que estava concluindo seu curso na ESDI, a Ângela Lima Souto - muito séria e competente. Tínhamos também um boy, o Zé Carlos que entre outras coisas gabava-se der ser, como ele dizia, “meia quatro” (que imagino que se referia ao ano que ele nasceu, 64, mas que para mim tinha outra conotação e acabou virando um adjetivo que uso até hoje para qualificar certos tipos).

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