domingo, 9 de dezembro de 2007

25. A alegria da casa das Charitas.


A Casa das Charitas era muito alegre. Nela recebíamos nossos amigos com os quais brincávamos de fazer música. Tivemos até durante um certo tempo o piano que havia sido de minha mãe e que depois mandei de volta para a casa do meu irmão mais novo de onde veio quando ele precisou ser internado. Lá ficávamos tocando instrumentos e cantando nos fins de semana. Nossas filhas, por sua vez recebiam seus amigos e amigas adolescentes não apenas para desfrutarem da piscina, que era a grande atração, como também para as trocas comuns da idade. Às vezes o quarto delas amanhecia um mar de colchonetes com vários amigos e amigas dormindo pelo chão. A vizinhança era simples, só casas. Na casa da esquina moravam dois meninos o Wagner, que atendia pelo apelido de Vaguinho, e seu irmão Waltemir, que era o Valtemirzinho. Tínhamos trazido as cadelas Maricota e Florisbela que tínhamos desde a casa do morro de Santa Teresa.


Quando, por nosso descuido alguma delas, sobretudo a Florisbela (da raça pointer) fugia era um problema trazê-la de volta. Mobilizava-se toda a vizinhança. Da varanda de nosso quarto tínhamos uma vista para o Saco de São Francisco e no silêncio da noite, ouvíamos o barulho das ondas quebrando na praia.



As meninas, e nós mesmos, vivíamos dando festas. O aniversário de 15 anos da Adriana foi uma grande festa com mesinhas em volta da piscina e garções servindo. Já o da Priscilla foi uma festa à fantasia, na qual eu fui fantasiado de lutador de kung-fu. Foi nesta casa que a Priscilla começou a desenvolver sua aptidão para o teatro. Ela inventou um teatrinho de bonecos, com um sistema de manipulação original. Tinha cenários, personagens e algumas "peças" ensaiadas. Eu construí uma caixa com cortina que se abria e luzinhas de árvore de Natal na ribalta. O teatro chamava-se "Teatro Anônimo" (isto foi por volta de 1978/79) e houve uma noite de estréia para a qual foram convidados os amigos dela e os nossos. Aliás não havia muita diferença entre quem era amigo de quem. Nossas filhas se relacionavam de igual para igual com os nossos amigos e vice-versa. O sucesso desta estréia foi sensacional. Uma das peças passava-se num "saloon" de faroeste e chamava-se "O Xerife Ted e sua Adorável Esposa", na qual o xerife Ted, naturalmente, era o protagonista. Adriana que já devia ter seus 15 anos estava às voltas com as primeiras ilusões e desilusões amorosas. Priscilla aparentemente ainda não estava nesse momento. Dedicava-se à criatividade e depois do sucesso do "Teatro Anônimo", escreveu um livro que decidiu publicar. Chamava-se "No Reino das Pulgas". Contava as aventuras de uma pulga que vivia nos pelos de um cachorro chamado Bernardo. Não sei de que maneira ela interessou uma editora de livros infantis a publicar o livro. Ajudado por meus amigos Jorge e Alexandre Sávio, donos da Gráfica Europa, consegui a composição tipográfica de graça e à partir dos desenhos da Priscilla finalizei as artes das ilustrações dela para a capa. O livro foi lançado, teve tarde de autógrafos e tudo, e foi adotado como livro-texto por algumas escolas, principalmente aquela onde ela estudava, o Minigay. Todo ano íamos com ela à editora receber os "royalties" sobre a venda do livro. Era uma ninharia e da última vez que fomos, o dinheiro mal deu para pagar o estacionamento. Mas, de qualquer modo foi algo que gratificou-nos a todos.


Abaixo uma poesia de minha mulher Anna lembrando da casa das Charitas:

Charitas

Casa da melhor memória
Da fase de glória
Casa do recreio da vida
Casa divertida
Casa da cantoria
Que tanto de noite ou dia
Vivia cheia de gente
Casa ardente
Casa movida a som
Com fantasia de reveillon
boiando na piscina
Casa de Dona Lica e Dona Pedrina
Casa bem perto da esquina
Na rua João Delgado
Casa em que todo dia
parecia feriado
Casa da liberdade
Do auge da mocidade
Casa do outdoor do chiclete
Do louro pintando o sete
E aprendendo francês
Casa da cachorrada
Que de fêmeas
Tinha três
De muita fartura na mesa
Pra alimentar a moçada
Casa da gata siamesa
E sua fáfrica de filhote
Casa da Papelote
Casa de era uma vez
Pintada na parede do quintal
Casa de varanda com rede
E de por de sol especial
Casa das festas com garçom
Casa repleta de artistas
Casa tudo de bom
Casa de Charitas.


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