terça-feira, 27 de novembro de 2007

9. A casa do Dr. Cheferrino

Desde meninos éramos amigos dos filhos do casal Sebastião e Lourdes Cheferrino, as crianças Eduardo e Ruth. Brincávamos juntos em sua casa, que era enorme. Na parte do quintal que dava para a casa do vizinho, o engenheiro/arquiteto Paulo Alberto Vianna Rodrigues (para quem trabalhei como desenhista) tinha um viveiro de pássaros e algumas ártvores frutíferas, entre elas um pé de carambola e outro de abiu. Hoje em dia não existem mais em Icaraí casas com quintais nem pés de carambola e abiu. Quando crianças ficávamos assistindo televisão (eles tinham uma das poucas que havia) ficando horas com os olhos pregados na tela que mostrava uma imagem imóvel de um índio no meio de círculos concêntricos. Às vezes passavam uns desenhos animados primitivos e ingênuos que eram assim:



Nas férias de fim de ano, que eram longas, e em muitos fins de semana, eu já com uns 14 ou 15 anos, nos reuníamos na casa dos Cheferrino que ficava na esquina de nossa rua com a avenida Estácio de Sá, que hoje se chama Roberto Silveira. A casa se enchia de jovens de ambos os sexos. Tinha uma mesa de pingue-pongue em torno da qual meninos e meninas disputavam jogos acirradamente. Lembro de algumas poucas meninas: Maria Lúcia Pitta da Matta que era muito bonitinha, Matilde e Regina - as irmãs Kraichete, a Karina, Maria a linda prima da Ruth, pela qual fui apaixonado platonicamente - eu era muito tímido e não sabia como abordar uma menina para namorar, achava que isso implicava um grande compromisso e era uma coisa que não podia ser feita levianamente. Eu não tinha uma namorada basicamente devido à minha timidez. Resolvi que era hora de abandonar aquela timidez e tentei namorar uma menina que se chamava Uilma e que morava na rua Gavião Peixoto num edifício que ficava em frente à rua Domingues de Sá. Não deu certo. Ela não me quis como namorado ou eu não soube como abordá-la. Depois da Uilma, tomei coragem e tentei outra, desta vez com a Mirtes Prates. Também não deu certo. A decepção e frustração foram muito grandes. Dos meninos que freqüentavam a casa dos Cheferrino me lembro de poucos: o Aluísio Tortelli, o João Paulo Tolentino - que foi namorado da Ruth, Carlinhos ("da pintinha") que namorava a Maria Lúcia Pitta da Matta, cujo pai era dono da fábrica do refrigerante Mineirinho, do Sidoca que era meu companheiro de pescarias no Seabra, do Pereli, do Periquito. A casa era enorme. A família Cheferrino era famosa na "sociedade". O Dr. Cheferrino era médico patologista dono de um dos laboratórios de análises clínicas mais famosos da cidade. Era um homem de posses. Trocava de carro (e os carros - americanos - eram todos importados naquele tempo) às vezes mais de uma vez por ano. Além de médico ele era exímio violonista. Tinha um casal de filhos mais ou menos da minha idade, o Eduardo e a Ruth (ambos foram meus padrinhos de casamento). A Rutinha (que é como a chamávamos) herdou do pai o talento musical. Tocava piano muito bem e sobretudo tinha muita bossa. A casa era muito musical e foi lá que ouvi os meus primeiros discos de boa música americana (Coltrane, Chet Baker, Bill Evans, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Modern Jazz Quartet, Miles Davis e por aí vai.) além de músicas de outras partes do mundo que estavam na moda: a boa música popular francesa de Gilbert Becaud, Charles Aznavour, Johnny Halliday, Henry Salvador. A música popular italiana de Sergio Endrigo, Pepino di Capri, entre outros. Na casa tinha uma ótima vitrola e ouvíamos música, dançavamos, flertávamos, curtíamos a vida. As meninas filhas de pais ricos faziam um cruzeiro de navio à Europa, indo no Augustus ou no Eugênio C e lá visitando a Itália, onde desembarcavam em Gênova, e países como a França, Bélgica, Áustria, Alemanha, Inglaterra, etc. Essas viagens e tudo o que acontecia nelas ampliavam os horizontes das meninas que voltavam contando as "aventuras" nelas vividas, para a inveja de suas amigas que tinham permanecido por aqui.



O casal Cheferrino ia todo ano nas férias para Araxá e deixava os dois filhos por conta dos avós (Dona Rita e vovô Itajiba, o "vovô Chinês"). Eles nos deixavam completamente à vontade. Ruth arranjou um namorado, o Tito, que era um rapaz rico e órfão que tinha herdado uma fortuna e era administrada por um tutor. Ele tinha um Alfa Romeo e uma Lancha e eu e a Anna, que nesta ocasião já éramos namorados, íamos juntos nos programas que o Tito e a Ruth faziam. Grandes passeios de carro e lancha. A Ruth era disputada por vários candidatos a namorar a menina de família de posses. Por ela passaram além do Tito, do Zé Pato (José Eduardo França) e do Sérgio, também um homem mais velho e começando a ficar careca - que não tinha nome, só sobrenome que não me lembro qual era, que também tinha uma lancha que era guardada no Iate Clube Jurujuba. Fomos lá algumas vezes passear na lancha dele. O pretenso namoro acabou não dando em nada. Rutinha acabou se casando com o Sergio Alcoforado do Couto com quem teve um casal de filhos. Nunca mais soubemos dela. Uma pena. Gosto muito dela. O Eduardo tinha uma namorada, a Aurete, também filha de uma família de posses que morava no Rio tinha uma casa de veraneio na praia das Charitas em Niterói. Eduardo acabou se casando com a Leila que era muito bonita, com quem acho que teve filhos mas de quem acabou se separando pouco antes de falecer. Lembro que nossa vida nas férias era como um filme. Tardes intermináveis de belíssimos pores-de-sol que duravam horas. Peles morenas, cheiro de bronzeador no ar. Éramos a própria "nouvelle vague" ao som de "Dans mon île" na voz de Henry Salvador. Era o início da bossa nova e as reuniões musicais na casa da Ruth iam ficando famosas e por lá apareceram pessoas como Sergio Mendes, Luiz Carlos Vinhas, entre outros. A Maria, prima da Ruth estava namorando um estudante de arquitetura, o Carlos Alberto Pingarilho que morava, como ela, no Rio, na rua Rainha Elizabeth e em sua casa também se reuniam jovens que começaram a bossa nova. Em sua casa conheci alguns deles. Pingarilho acabou sendo, além de arquiteto, um bom compositor da bossa nova.

Hoje, 30 de julho de 2010  recebi o seguinte e-mail da Maria Cheferrino, que transcrevo abaixo:

Lembro-me da casa , de toda a musica e todo o encanto magico que parecia rondar tudo ali.
Sou Maria Cheferrino, prima da Ruth e acho que lá vivi uma parte fascinante de minha vida, a infancia e adolescencia entre tantos encantamentos.
Tio Tatão dedilhando Tarrega,Albenez ou Bach ao seu magnífico violão DiGiorgio, meio escondido no quarto que abria sobre o quintal cheio de pés de jambo.
Tia Lurdes, sempre cintilante em sua aparencia meio oriental,essas misturas de raças do Brasil que a gente nunca vai entender,cantando "Ai Ioiô...eu nasci pra sofrer..."e o joão de barro na gaiola.
Ela cantava e ia até ele, tirava o bichinho da gaiola e o levava perto de sua boca, sorrindo e o joão de barro lhe bicava de leve os dentes, como um beijinho...Fazia parte do show, quando ela cantava e tio Tatão acompanhava, cumplices, sem se olhar;mas me lembro que o faziam um para o outro, um jogo de sedução...
Lembro-me da sala, do maravilhoso piano Pleyel, com candelabros...onde Sergio Mendes, em um dia que apareceu por lá, de terno!  atacou uma "Aquarela do Brasil" cheia de oitavas que na época me pareceram excessivas.
E eram, pois como sabemos mudou não só o terno como o estilo.
O cheirinho da tia Lurdes sempre me parecia delicioso;quando me beijava eu parava uns segundos para sentir bem aquele perfume que me parecia só ela tinha.
Acabei descobrindo que não era perfume e sim um pó de arroz muito branco, como ela mesma, em uma caixa redonda com a figura de uma dançarina espanhola desenhada na tampa e o nome Myrurgia.
A casa, na minha imaginação infantil me dava a imnpressão de ser cheia de magia...cigana.
Tudo ali podia acontecer, as coisas mais inusitadas e belas.
Me lembro dos vizinhos, Caloga e Balu, e das tardes sob o caramanchão de florezinhas cor de rosa...ao som do violão de meu tio.
Sons do Carrilhão,era uma de suas peças favoritas.
Não me lembro de tê-lo visto tocando Bach...em publico;era muito exigente em relação a isso...
Tocava de bom grado peças mais populares quando tinha plateia.
Me lembro de bicicletas para todos os lados,para ir a praia...ao cinema, tomar sorvete em Icaraí.
Me vejo ainda bicicletando pelos quarteirões bem proximos,tardes de verão; eu levantava a mão, sem precisar sequer sair muito do selim e apanhava tamarindos, que eu ia comendo pelo caminho.
Em Niteroi, naquela época, nunca vi em meus passeios algum quarteirão onde não se ouvisse um Chopin meio mal tocado em algum piano.
Não sei de outro lugar onde todos pareciam fazer musica...
T ambém fui muito feliz naquela casa
que em minhas lembranças de infancia e adolescencia ficou associada á beleza magica de tantas sensações prazeirosas e  de muitas cores.
Até hoje, a primeira imagem que me vem á cabeça quando penso nela são estrelinhas, moedas e meias luas de metal dourado...como as que se aplicam nas fantasias de cigana, sobre um fundo de cetim purpura e vermelho...
Ali, babete, rabanéte, é diabete...djadero/buero...vovô grampo...johnny mathis/joão matias...ping yang e a casinha pequenina, tu te lembras?


10 comentários:

Anônimo disse...

Olá tio Caloga,

Adorei ler suas memórias. Ao mesmo tempo que lia me veio uma de quando eu era jovem (+ ou - 13 anos?): estava na casa de voces em Charitas. Perguntando sobre o seu trabalho: "tio Caloga o que voce faz?", recebi a seguinte resposta: "Sou pago para pensar."
beijos da sobrinha,
Angela

Anônimo disse...

Vc descreve passagens sobre a familia cheferrino, algumas dessas familias relacionadas ou nomes têm algum vínculo com Leonidas Victor Cheferrino? ele foi um arquiteto muito famoso, contemporâneo de Niemayer e Lucio Costa. Teve uma linda propriedade em Petropolis, casado com Maria Luiza, teve dois filhos, Maria (hoje escritora e artista Plastica) e Beto.

Cicero Queiroz disse...

Navegando aportei aqui sem a menor intensão...
Fui e sou um convivas da casa dos Cheferrino mas da 3ª geração! Ruth e Sérgio e seus filhos(que são meus amigos) mudaram-se para Angra, a casa e o savoir vivre, ultrapassam gerações e continuam os mesmos. Alegres, festivos e cheios de bossa.
Dudu teve duas lindas filhas com Leila, Marcelle e Fernanda. Casou-se novamente, com Nair e teve um casal, Vitor e Ligia.
Muito legal essa viagem no tempo... me fez entender melhor um pouco da história dessa família tão querida. Grato!
Cícero Tauil

Marcelle disse...

Sou neta do Sebastião Cheferrino, e com muito orgulho, tenho nas veias esse lado musical, sociável e alegre como toda a família Cheferrino. É uma felicidade fazer parte dela.

Flávia Cheferrino disse...

Eu fiquei tão emocionada em ler histórias que minha mãe Marcella Cheferrino me contava, me lembrei da minha infância, do meu tio Tatão tocando seu violão e tomando Whisky
do tio Leonidas tão inteligente, tão sensível, e tão amigo, lembro de sua casa em Petrópolis (Taquari) uma casa que ficou na minha lembrança, lembro da minha família, enfim, adorei entrar nesse blog e re-ler todas essas histórias.

Roberto Cheferrino BobChef disse...

Roberto Cheferrino – Apelidos – beto,bebeto,bobchef,tritão,banzé…!
Nos tempos da casa do tioTatão em Niterói
Capítulo I –
Naquela época, nos meus 7 anos de idade eu tinha ótimas referencia aos vizinhos e irmãos, Caloga e Balú, os Duartes ! Saúdo vocês dois, de coração !
Mas, quanto a Niterói, no Campo São Bento, lá eu aprendi a andar e sentir o aroma das bicicletas. Ao mesmo tempo o aroma do esparadrapo, pois o meu primo Eduardo irmão da Ruth, me colocou no bagageiro da sua bicicleta o que me fez cair, são aquelas brincadeirinhas de primo mais velho.
Mas Niterói tinha um Trampolim colossal de 3 andares, com seis trampolins, localizado dentro das águas da praia de Icaraí, parecia uma base aquática de lançamento de foguetes ! Tinham os chamados garotos “moscas” que ficavam nadando no trajeto de acesso ao Trampolim e que nos ameaçavam de furtos e brigas.
Mas na casa do tioTatão havia uma televisão p/b com uma imagem de um índio com cocar Americano chamado, Tupí !?
De fato, tudo naquela casa se acortinava por meio de status pessoais. Muitas histórias aconteciam, teve aquela, quando tioTatão resolver doar um grande sino para a igreja vizinha à casa. Nas primeiras badaladas ele anunciou pagar o preço que fosse para retirarem sua doação, pois ele era acordado às 7 hs da manhã nos fins de semana. Ele era muito chapliniano. até seu cabelo, sua fisionomia e trejeitos lembrava muito Charles Chaplim, sem no entanto, percerber eu acho. Na casa do tioTatão havia sua esposa, minha tia Lourdes. Ela me embevecia, pois tinha raízes direta de família japonesa e parecia flutuar entre as pessoas, sempre sorridente, perfumada e perfumava a todos e a tudo quando passava como se estivesse no seu pomar de cerejeiras, eu curtia muito a figura dela.
Em Niterói naquela época, existiu o avassalador Macarenhas de Morais com sua avalanche de 100 estudantes acordeonistas tocando ao “mesmo tempo” uma sinfonia moderna, uma Cacofonia única e demolidora aos nossos tímpanos ! Muito doido !

Roberto Cheferrino BobChef disse...

Eu hoje Roberto Cheferrino, tenho 74 anos !

Unknown disse...

Sou Maria Auxiliadora, prima de Nair Cheferrino. Adorei ler essas memorias pq tb frequentava a casa dos Cheferrinos e ficava embevecida com a pele maravilhosa de Dona Ruth. Nunca pideria imaginar q Nairzinha minha prima mais nova iria casar com Dudu.

CHEFERRINO-SURFBOARDS-ITACOA disse...

Sim era irmão do meu avô mais novo Tio Leondas como eu chamava quando criança

Maya Cheferrino disse...

Sou Maya Cheferrino, filha da Maria Cheferrino. Descobri essa página por acaso e fiquei muito feliz em ler essas histórias, que minha mãe também compartilhou comigo ao longo da vida. Gostaria de saber mais sobre a origem da família Cheferrino. Se alguém tiver, agradeço. :)