sexta-feira, 30 de novembro de 2007

13. A Vela


Quando completei 11 anos, muitos de meus amigos da época eram escoteiros do mar e algum deles, não me lembro qual, me levou para entrar para o 4º Grupo de Escoteiros do Mar, a tropa Gaviões do Mar. Fui admitido após uma série de formalidades. A tropa tinha sua sede num prédio mais do que centenário na ilha da Boa Viagem. Na ilha, além da nossa sede, havia também uma igreja antiquíssima, um fortim que ajudou no combate aos invasores franceses à Baía de Guanabara e um outro prédio que servia de depósito para nossos equipamentos de marinharia (cabos, velas, remos, etc.) A Patrulha da Gaivota à qual eu pertencia, contava com muitos garotos da minha idade que gostavam de mar e barcos à vela. Entre eles Guguta (José Augusto de Lima Rocha), Marujo (José Álvaro Batista - que não gostava do apelido, Raul e Luiz Ernesto Imbassahy, e Nestor. O chefe era um cara mais velho chamado Cláudio. Para a admissão, depois das formalidades de praxe, os escoteiros veteranos obrigavam os novatos a fazerem uma volta completa na ilha (nossas reuniões eram realizadas à noite), passando pelas ruínas do fortim que se diziam mal-assombradas. Era um batismo de fogo e dava um certo medo. Não havia qualquer iluminação e só se ouvia o barulho do mar e do vento. Embora o código disciplinar dos escoteiros fosse - e ainda é - bastante rígido, nós da Patrulha da Gaivota tínhamos a indisciplina própria dos meninos daquela idade. O 4º Grupo de Escoteiros do Mar, o nosso, tinha dois barcos grandes. Um que se chamava UAUIARÁ - que em língua dos índios quer dizer boto, e outro cujo nome não consigo me lembrar, mas que também era um nome indígena. O primeiro era apelidado carinhosamente de Iaiá e era na verdade um velho, porém perfeitamente bem conservado, escaler do encouraçado "Minas Gerais", um navio de guerra que era a nau capitânea da Equadra Brasileira, construido em 1910 que tinha sido desativado. O Iaiá pode ser visto na foto, pendurado no alto em seu suporte a meia nau.


Curiosamente foi quando da vinda do Minas Gerais para o Brasil que alguns dos suboficiais de sua tripulação tiveram a idéia de implantar o escotismo recém criado por Baden Powell. Mas o Iaiá ostentava a classificação NAM 13, na qual esse NAM queria dizer Navio de Alto Mar. Era portanto um grande barco de casco trincado com dois mastros e três velas, da popa para a proa, a grande, o traquete e a buja. Tinha além disso quatro pares de remos enormes e pesadíssimos que se usavam nas manobras de atracação ou quando havia outras necessidades de navegação. Esses remos não tinham forquetas, e eram encaixados em recordes apropriados revestidos de bronze nos bordos da embarcaçao. Não possuía bolina e portanto 'derrapava' muito no vento de través forçado. Mas numa empopada, com vento forte, podia até rebocar um de nós fazendo aquaplanagem em pé sobre um de seus enormes paneiros (painéis que revestem internamente o casco fazendo uma espécie de assoalho). Foi no Iaiá que todo fim de semana velejávamos na enseada de São Francisco. O barco andava bem, armado com suas três velas - a buja ia lá na proa com a parte de baixo da testa presa na ponta do gurupés.
Nesta foto antiga podem ser vistos o Iaiá que é o maior e está atrás do outro barco que pertencia a outra patrulha.


Mais tarde, não sei exatamente quem, doou cinco sharpies meio velhos para a tropa. Eles também receberam nomes indígenas dos quais não me lembro. Neles podíamos velejar com mais conforto e velocidade, ensaiando regatas entre nós. Algumas vezes íamos fazer acampamentos nas ilhas do fundo da baía da Guanabara (Paquetá e Jurubaíba). Era muito bom. Nossas mães ficavam extremamente preocupadas com nossas aventuras marinheiras. Na volta de um dos acampamentos que fizemos num carnaval em Paquetá, pegamos um violento temporal que rasgou nossa vela grande e também a buja. Como tínhamos levado por sorte uma pequena buja para temporal, foi com ela que conseguimos chegar a salvo na ilha da Boa Viagem após uma travessia que durou 13 horas e que me deu muito medo. Só tínhamos um pouco de goiabada molhada de água salgada a bordo e nenhuma água. Deu medo. A tripulação desse barco, nessa viagem era Marujo no leme e Nestor e eu como proeiros. Os sharpies, com suas velas grandes armadas em carangueja, eram como esses que são vistos na foto abaixo.



Alguns anos mais tarde nosso irmão Sergio, não sei bem por que resolveu comprar um barco a vela e comprou um barquinho da classe Cadet que começava a ser construído no Brasil, e do qual realmente só vi dois. O dele, que originalmente se chamava "Knorke" - que não sei o que significa, mas que ele rebatizou de "Pangaré", que era meio que o seu próprio apelido, e um outro que era de dois irmãos que moravam perto de nossa casa, na rua Lopes Trovão em frente à arquibancada do estádio Caio Martins. O "Pangaré" tinha o casco preto e o convés e o fundo brancos. Como se pode ver na foto, o Cadet era um barco muito pequeno (3,12 m) e se destinava à iniciação de meninos e adolescentes no esporte da vela. O Sergio na verdade quase não velejou no barco, até mim e por Balu, meu irmão mais novo. O barco ficava guardado no Iate Clube Icaraí, que fica em frente à saída do túnel que liga Icaraí ao bairro de São Francisco. Naquela época o tunel estava apenas furado de lado a lado, mas as obras de acabamento tinham ficado paralizadas. Atravessávamos de bicicleta por entre enormes blocos de pedra que tinham ficado para ser retirados depois que foram removidos a dinamite. O chão era irregular, cheio de enormes buracos e grandes poças d'água. Era completamente escuro mas cortava um grande caminho. Curtimos muito o "Pangaré" até que Sergio vendo que não o usava acabou por vendê-lo.


Ainda andei velejando com alguns amigos que tinham barcos maiores (Lightnings) mas logo que comecei a namorar a Anna, como meu interesse maior era naturalmente estar com ela, minha carreira náutica foi ficando cada vez mais rarefeita até que se extinguiu por completo. A Anna tinha medo de velejar.

Ontem, 25 de novembro de 2008, recebi um e-mail do Guguta que transcrevo abaixo e que diferentemente do que eu pensava em relação aos nomes dos sharpies que a nossa tropa de escoteiros do mar ganhou, ele tem uma lembrança precisa daqueles nomes e de quem os doou:

"Caloga, os nomes dos barcos "Alfa", "Beta", "Zeta" e "Gama", doados por Leopoldo Geyer, fazem parte da nossa infância.
Abraços,
Guguta"

O Alex Ripol, que também foi escoteiro do mar da tropa Gaviões do Mar, a mesma a qual eu pertenci, encontrou-me aqui neste blog e conversa vai, conversa vem, me mandou crônicas que escreveu sobre seus tempos no escotismo e nesta última semana (4 de fevereiro de 2009) me nadou uma bela maquete que construiu do nosso velho Uauiará. Coloco aqui ao lado uma foto de seu trabalho para que todos vejam como era aquele escaler do cruzador Minas Gerais. Parabéns, Alex, muito bonita e bastante fiel sua miniatura do nosso NAM 13.


quinta-feira, 29 de novembro de 2007

12. As motos

Outra paixão em minha vida foi com os veículos de duas rodas. Quando eu tinha 18 anos foi lançada no Brasil a Lambretta, em dois modelos, a Standard ou L e a de luxo ou LD. Resolvi que queria ter uma e fui para isso trabalhar nos escritórios de uma grande loja de materiais de construção e eletrodomésticos chamada Moreira dos Cofres. Comecei lá como tradutor, traduzindo uns manuais de trefilação de arames e fabricação de pregos que era uma das atividades da empresa.


Estas 'scooters' que na época eram classificadas como 'motonetas' eram a coqueluche da rapaziada e dizia-se que quem as possuia era da 'juventude transviada' (título de um filme americano com o galã carismático James Dean que encarnava o jovem rebelde norte-americano e que teve uma morte prematura dirigindo seu Porsche em alta velocidade, o que o deixou ainda mais carismático, só que post-mortem). Era ótima a minha Lambretta do tipo L, ou 'Standard' como era também chamada. Logo na primeira semana sofri um acidente que me deixou uma grande cicatriz no braço esquerdo que tenho até hoje. Bati de frente contra um carro que avançou o sinal na esquina da rua Marques de Paraná com a Avenida Amaral Peixoto, que naquela época era de mão dupla. A Lambretta foi ser consertada e pintada de preto. Ficou linda. Eu também fui ser consertado mas fiquei com a tal cicatriz.
Muito mais tarde, por volta de 1975, eu trabalhava no Serpro, no Rio de Janeiro e ir e voltar todo dia de carro era caro ou então de ônibus e barca demorava muito tempo. Resolvi então comprar uma motocicleta e me apaixonei pelo desenho desta Suzuki RV 90 que se vê abaixo. Ia e voltava para o Rio pela ponte Rio-Niterói que naquele tempo tinha ainda pouco tráfego fazendo cada parte do percurso em menos de meia hora. A RV 90 chamava atenção por sua forma inusitada. Ela era uma motocicleta concebida para andar na areia.


Por esta razão, ela não se comportava adequadamente no asfalto e então resolvi comprar uma moto projetada para este tipo de terreno. Assim troquei a RV 90 por uma outra Suzuki, desta vez uma GT 250, de dois cilindros e dois tempos com um grande torque, seis marchas e uma arrancada assustadora. Foi muito bom tê-la. Fiquei com ela muto tempo. Levava minhas duas filhas para a escola antes de ir trabalhar. Adriana que era maior ia sentada atrás de mim e Priscilla ia sentada sobre o tanque de gasolina. As mães das outras crianças que nos viam chegar na escola ficavam escandalizadas. Veja como ela era bonita.

Um dia voltando do trabalho pela avenida Francisco Bicalho para pegar o acesso da ponte Rio-Niterói, atrás e colado a um grande caminhão basculante, eis que ele freia abruptamente e eu também, só que sobre uma mancha de óleo na pista. A moto deslizou no óleo e eu fui cair sob o diferencial do caminhão, entre as rodas traseiras. A moto não sofreu nada além de uma torção no guidon. Montei nela e continuei indo para casa. Decidi vendê-la no dia seguinte. As motocicletas, assim como outras coisas na vida dão-nos dois grandes prazeres: quando as adquirimos e quando nos desfazemos delas.

11. Sempre a música

A música na minha vida vem de muito longe. Até aonde consigo voltar no tempo, ela vem desde meu bisavô, o maestro Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão, irmão de meu tio bisavô ilustríssimo Augusto Severo, um dos pioneiros da aviação e que morreu em Paris a 12 de maio de 1902 ao pilotar seu balão PAX. A casa de minha família, na minha infância era muito musical. Minha mãe tocava piano e cantava. Tinha uma hora do dia em que ela se sentava ao piano e fazia vocalises para manter a voz. Além desses exercícios, ela tinha um repertório que cantava em certas ocasiões de reuniões familiares.


Meu irmão mais velho, o Augusto, começou muito cedo a estudar música e tocava violão muito bem. Na verdade ele toca todo tipo de instrumentos de corda. Numa certa época (anos 50) reuniu numa das salas de nossa casa uma verdadeira orquestra de câmara que ele regia, além de fazer os arranjos e escrever as partituras dos diversos instrumentos. Essa orquestra tinha, se bem me lembro, os seguintes instrumentos: piano, oboé, alguns violinos, viola, violoncelo. Apresentaram-se em público com sucesso algumas vezes. Tinha também cantoras e cantores que eram por ela acompanhados. Lembro dos nomes de alguns dos músicos: os irmãos Abramento, Isaac, Nelson e Judith, respectivamente viola, violino e violoncelo; o oboista Jedaias Norberto, e o violinista José Diamant. A orquestra era pretenciosa no repertório, tocando músicas de autores famosos como Mozart, Vivaldi, Respighi, etc. Boa música. Foi neste ambiente musical que cresci. Eu devia ter uns 9 ou 10 anos quando minha mãe me matriculou na Escola Fluminense de Música, que funcionava numa casa que ficava na rua 15 de Novembro, ao lado do Teatro Municipal. Era dirigida por duas irmãs, uma chamava-se Alice, a outra não me lembro e destinava-se a dar uma educação musical para crianças. Tinha um uniforme que era uma espécie de macacão de calça curta de fustão branco e que trazia no peito, bordado, uma pauta com uma clave de sol e o nome Escola Fluminense de Música. Aprendíamos algo como uma iniciação à teoria musical e tínhamos uma bandinha que se apresentava em certos eventos. Uma vez fomos fazer uma apresentação para ninguém menos que o maestro Villa Lobos, na casa dele, no Rio. O maestro era uma figura assim como o Orson Welles, mas muito simpático. A mulher dele, Dona Mindinha nos serviu um lanche e voltamos para Niterói sem muita noção da importância daquele homem para o qual cantamos e tocamos. Ao longo de minha infância, adolescência e juventude, tentei por diversas vezes estudar algum instrumento de música. Sucessivamente minha mãe me colocou em professores de piano - a Maria da Glória Negreiros dos Anjos, de violino - o maestro Orlando Frederico, de flauta - o flautista Ademar Lannes (meu irmão mais novo acabou sendo aluno dele e tornou-se um excelente flautista). Mas minha preguiça e indisciplina, aliadas à minha musicalidade inata fizeram com que eu não fosse adiante em nenhuma dessas tentativas. Tentei também aprender a tocar violão com um professor cujo nome não me lembro e que morava na rua Dr. Sardinha, em Santa Rosa. Também não fui para diante. Aprendia uns poucos acordes e "macetes" e achava que com eles eu podia tocar algumas músicas. Mas não ia além delas, e mal. Mas sempre muito musical, em várias ocasiões de minha vida ousei na música. Eu tinha uma flauta velha que me deu meu irmão e que depois me tomou-a de volta, com a qual me diverti bastante. Tive a petulância de, uma vez nos anos 70 enquanto trabalhava no Serpro e estando em Curitiba, ir à noite num restaurante onde havia um conjunto se apresentando, chegar junto do piano e ver uma flauta em cima dele. Fiquei por alí ouvindo os músicos e olhando a flauta até que o pianista perguntou se eu tocava. Descaradamente disse que sim e ele me ofereceu o instrumento e juntos tocamos algumas coisas. No Serpro ainda, num festival de música dos empregados eu me apresentei tocando flauta acompanhando um dos concorrentes, o Leão que tocava violão e cantava. Também em nossa casa nas Charitas, reuníamos amigos com os quais fazíamos música. Julio Cezar Christofe da Silva, o "Murce" ao violão ou viola ou piano - era músico multi-instrumentista, o Jefferson Malachini Barros, o "tio ", violonista talentosíssimo e preciosista, Bernardo Ferreiro na bateria ou na tumbadora, e eu na flauta. Eu tinha um diapasão Hering circular cromático, e com ele tocava várias coisas, como se fosse uma gaita. Muitos anos depois, por volta de 1987, o mesmo Jefferson Barroso me convida para assistir a um show do gaitista Maurício Einhorn, na Boate People, que na verdade era um "point" de jazz naquela época no Rio. De há muito eu conhecia a música do Maurício que eu admirava muito. No intervalo do show, fui até ele e perguntei se ele dava aulas. Ele foi muito simpático , disse que sim, mandou que eu comprasse uma gaita tal assim, assim e marcamos as aulas. Tive apenas nove aulas com ele. Naquele tempo eu era executivo de uma multinacional. Trabalhava muito, viajava muito e não tinha tempo para estudar o instrumento. Eu tinha dito ao Maurício que eu não tinha pretensão de ser gaitista e que só queria aprender o suficiente para me divertir com meus amigos. Assim, após a nona aula, ele disse que eu já estava pronto e me mandou embora. O Maurício é uma pessoa adorável. Às vezes ele me telefonava para contar uma piada. Uma figura. Vinte anos depois, já morando em Visconde de Mauá, ao passar pela Escola Municipal ouvi o som de alguns instrumentos de metal (trompetes, trombones, etc). Parei, entrei e dei com um militar fardado ensinando num quadro negro teoria musical às crianças e outro militar ensinando prática instrumental. Sentei-me, esperei acabar a aula e me dirigí ao professor, o então cabo Elton Carlos Rodrigues que me disse que estava ali para formar uma banda de música em Mauá. Perguntei se na banda teria um saxofone tenor, pois eu achava o som desse instrumento muito bonito e desejava aprender a tocá-lo, mas que eu não sabia nada. Falei das minhas experiências musicais anteriores, caóticas e indisciplinadas. Ele me disse que os instrumentos da banda ainda estavam sendo comprados e que eu podia ir frequentando as aulas que quando chegassem os instrumentos ele reservaria um saxofone tenor para mim. Dito e feito. Um dia ele me entregou um lindo saxofone tenor Weril novinho em folha, e mais tarde o uniforme de músico da banda.
Me dediquei com afinco a ele e passei a fazer parte da Banda Musical de Visconde de Mauá. Eu era o mais velho dos músicos (tinha 60 e poucos anos na época) e o mais novo era um garotinho de 10 anos que sentava do meu lado nos ensaios e tocava bombardino, e que nesta foto está do lado da Vanuza, minha companheira no sax tenor.

O contraste entre nós era flagrante e por isso fomos muito fotografados nos eventos em que a banda se apresentou. Tocamos publicamente em muitas ocasiões. Ganhamos concursos de bandas pelo interior do estado. O uniforme era fantástico. Parecíamos valetes de baralho.



A fotografia é de uma apresentação que fizemos na rua Nilo Peçanha, no Rio de Janeiro, na porta da sede do Jockey Club Brasileiro, depois de termos tocado no salão do restaurante do mesmo clube após um almoço oferecido por seus amigos ao patrono da banda, Juan Clinton Llerena que fazia 80 anos. Foi demais. Juntou gente e fomos muito aplaudidos.




Entre outras apresentações, quando a banda tinha apenas 9 meses de idade, animamos a festa junina da Escola Estadual Antônio Quirino, em Visconde de Mauá. Viemos marchando e tocando pela rua até entrarmos sob uma lona de circo aonde fizemos nossa primeira apresentação pública. Isto foi em julho de 2005. Foi um sucesso estrondoso

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

10. Início de uma vida a dois

A Anna, minha mulher, conheci quando eu tinha 16 anos e ela 15. Por um capricho muito caprichoso nós dois nascemos no mesmo dia do mesmo mês com um ano de diferença. Foi assim: eu tinha um colega de turma do Liceu, o Dario Castelo, que morava num apartamento no quarto andar de um edifício da rua Moreira Cezar 316. Num intervalo de nossos estudos chegamos à janela de seu quarto e ficamos conversando. Do apartamento de baixo surgiu a cabeça da Anna com quem o Dario falou qualquer coisa e me disse que ela era a garota com quem ele queria namorar. Numa certa hora eu fui embora, e no meio da escada, ao descer, cruzei com a Anna que estava subindo e falei qualquer coisa com ela. Na verdade, meu interesse primeiro foi pela irmã dela, a Luiza, que não correspondeu por ser um pouco mais velha do que eu.

Luiza e Anna quando comecei a namorar a Anna,
preparando-se para ir ao tradicional Baile do Suéter do Clube Central

Aí não perdi tempo. Ganhei coragem e declarei-me à Anna. Começamos a namorar no dia 17 de agosto de 1956, há 51 anos e estamos juntos desde então. Após um namoro longo, o que naquele tempo era comum, casamos no dia 23 de março de 1963. Dessa vida em comum de 51 anos até agora, tem muita história para contar.

Hoje sabemos que as chaves para um relacionamento tão duradouro quanto esse são, entre outras, muita paciência e tolerância e um respeito mútuo muito profundo. Deste casamento tivemos duas filhas: Adriana e Priscilla e cada uma dessas filhas nos deu uma netinha, respectivamente Julia e Maria. Ambas nasceram com um mês de diferença - a Maria é a mais velha - em março e abril de 1997.

Educação versus Segurança

É incrível, mas o pessoal da segurança é em geral melhor remunerado que o pessoal da educação. O país não percebe que é com educação que se fazem cidadãos melhores. Acha que é apenas pela via da repressão aos maus cidadãos que seremos melhores. Se esquece de que sem os professores não haveria profissionais de qualquer categoria ou especialização. Ao invés de uma Força Nacional de Segurança bem treinada, bem equipada e bem remunerada, que tal uma Força Nacional de Educação, bem treinada, bem equipada e bem remunerada. Fala-se em "bolsões de pobreza" que na verdade são, em última análise, bolsões de ignorância. Ataquem-se esses bolsões com uma Força Nacional de Educação que eles se extinguirão e com eles a violência.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

9. A casa do Dr. Cheferrino

Desde meninos éramos amigos dos filhos do casal Sebastião e Lourdes Cheferrino, as crianças Eduardo e Ruth. Brincávamos juntos em sua casa, que era enorme. Na parte do quintal que dava para a casa do vizinho, o engenheiro/arquiteto Paulo Alberto Vianna Rodrigues (para quem trabalhei como desenhista) tinha um viveiro de pássaros e algumas ártvores frutíferas, entre elas um pé de carambola e outro de abiu. Hoje em dia não existem mais em Icaraí casas com quintais nem pés de carambola e abiu. Quando crianças ficávamos assistindo televisão (eles tinham uma das poucas que havia) ficando horas com os olhos pregados na tela que mostrava uma imagem imóvel de um índio no meio de círculos concêntricos. Às vezes passavam uns desenhos animados primitivos e ingênuos que eram assim:



Nas férias de fim de ano, que eram longas, e em muitos fins de semana, eu já com uns 14 ou 15 anos, nos reuníamos na casa dos Cheferrino que ficava na esquina de nossa rua com a avenida Estácio de Sá, que hoje se chama Roberto Silveira. A casa se enchia de jovens de ambos os sexos. Tinha uma mesa de pingue-pongue em torno da qual meninos e meninas disputavam jogos acirradamente. Lembro de algumas poucas meninas: Maria Lúcia Pitta da Matta que era muito bonitinha, Matilde e Regina - as irmãs Kraichete, a Karina, Maria a linda prima da Ruth, pela qual fui apaixonado platonicamente - eu era muito tímido e não sabia como abordar uma menina para namorar, achava que isso implicava um grande compromisso e era uma coisa que não podia ser feita levianamente. Eu não tinha uma namorada basicamente devido à minha timidez. Resolvi que era hora de abandonar aquela timidez e tentei namorar uma menina que se chamava Uilma e que morava na rua Gavião Peixoto num edifício que ficava em frente à rua Domingues de Sá. Não deu certo. Ela não me quis como namorado ou eu não soube como abordá-la. Depois da Uilma, tomei coragem e tentei outra, desta vez com a Mirtes Prates. Também não deu certo. A decepção e frustração foram muito grandes. Dos meninos que freqüentavam a casa dos Cheferrino me lembro de poucos: o Aluísio Tortelli, o João Paulo Tolentino - que foi namorado da Ruth, Carlinhos ("da pintinha") que namorava a Maria Lúcia Pitta da Matta, cujo pai era dono da fábrica do refrigerante Mineirinho, do Sidoca que era meu companheiro de pescarias no Seabra, do Pereli, do Periquito. A casa era enorme. A família Cheferrino era famosa na "sociedade". O Dr. Cheferrino era médico patologista dono de um dos laboratórios de análises clínicas mais famosos da cidade. Era um homem de posses. Trocava de carro (e os carros - americanos - eram todos importados naquele tempo) às vezes mais de uma vez por ano. Além de médico ele era exímio violonista. Tinha um casal de filhos mais ou menos da minha idade, o Eduardo e a Ruth (ambos foram meus padrinhos de casamento). A Rutinha (que é como a chamávamos) herdou do pai o talento musical. Tocava piano muito bem e sobretudo tinha muita bossa. A casa era muito musical e foi lá que ouvi os meus primeiros discos de boa música americana (Coltrane, Chet Baker, Bill Evans, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Modern Jazz Quartet, Miles Davis e por aí vai.) além de músicas de outras partes do mundo que estavam na moda: a boa música popular francesa de Gilbert Becaud, Charles Aznavour, Johnny Halliday, Henry Salvador. A música popular italiana de Sergio Endrigo, Pepino di Capri, entre outros. Na casa tinha uma ótima vitrola e ouvíamos música, dançavamos, flertávamos, curtíamos a vida. As meninas filhas de pais ricos faziam um cruzeiro de navio à Europa, indo no Augustus ou no Eugênio C e lá visitando a Itália, onde desembarcavam em Gênova, e países como a França, Bélgica, Áustria, Alemanha, Inglaterra, etc. Essas viagens e tudo o que acontecia nelas ampliavam os horizontes das meninas que voltavam contando as "aventuras" nelas vividas, para a inveja de suas amigas que tinham permanecido por aqui.



O casal Cheferrino ia todo ano nas férias para Araxá e deixava os dois filhos por conta dos avós (Dona Rita e vovô Itajiba, o "vovô Chinês"). Eles nos deixavam completamente à vontade. Ruth arranjou um namorado, o Tito, que era um rapaz rico e órfão que tinha herdado uma fortuna e era administrada por um tutor. Ele tinha um Alfa Romeo e uma Lancha e eu e a Anna, que nesta ocasião já éramos namorados, íamos juntos nos programas que o Tito e a Ruth faziam. Grandes passeios de carro e lancha. A Ruth era disputada por vários candidatos a namorar a menina de família de posses. Por ela passaram além do Tito, do Zé Pato (José Eduardo França) e do Sérgio, também um homem mais velho e começando a ficar careca - que não tinha nome, só sobrenome que não me lembro qual era, que também tinha uma lancha que era guardada no Iate Clube Jurujuba. Fomos lá algumas vezes passear na lancha dele. O pretenso namoro acabou não dando em nada. Rutinha acabou se casando com o Sergio Alcoforado do Couto com quem teve um casal de filhos. Nunca mais soubemos dela. Uma pena. Gosto muito dela. O Eduardo tinha uma namorada, a Aurete, também filha de uma família de posses que morava no Rio tinha uma casa de veraneio na praia das Charitas em Niterói. Eduardo acabou se casando com a Leila que era muito bonita, com quem acho que teve filhos mas de quem acabou se separando pouco antes de falecer. Lembro que nossa vida nas férias era como um filme. Tardes intermináveis de belíssimos pores-de-sol que duravam horas. Peles morenas, cheiro de bronzeador no ar. Éramos a própria "nouvelle vague" ao som de "Dans mon île" na voz de Henry Salvador. Era o início da bossa nova e as reuniões musicais na casa da Ruth iam ficando famosas e por lá apareceram pessoas como Sergio Mendes, Luiz Carlos Vinhas, entre outros. A Maria, prima da Ruth estava namorando um estudante de arquitetura, o Carlos Alberto Pingarilho que morava, como ela, no Rio, na rua Rainha Elizabeth e em sua casa também se reuniam jovens que começaram a bossa nova. Em sua casa conheci alguns deles. Pingarilho acabou sendo, além de arquiteto, um bom compositor da bossa nova.

Hoje, 30 de julho de 2010  recebi o seguinte e-mail da Maria Cheferrino, que transcrevo abaixo:

Lembro-me da casa , de toda a musica e todo o encanto magico que parecia rondar tudo ali.
Sou Maria Cheferrino, prima da Ruth e acho que lá vivi uma parte fascinante de minha vida, a infancia e adolescencia entre tantos encantamentos.
Tio Tatão dedilhando Tarrega,Albenez ou Bach ao seu magnífico violão DiGiorgio, meio escondido no quarto que abria sobre o quintal cheio de pés de jambo.
Tia Lurdes, sempre cintilante em sua aparencia meio oriental,essas misturas de raças do Brasil que a gente nunca vai entender,cantando "Ai Ioiô...eu nasci pra sofrer..."e o joão de barro na gaiola.
Ela cantava e ia até ele, tirava o bichinho da gaiola e o levava perto de sua boca, sorrindo e o joão de barro lhe bicava de leve os dentes, como um beijinho...Fazia parte do show, quando ela cantava e tio Tatão acompanhava, cumplices, sem se olhar;mas me lembro que o faziam um para o outro, um jogo de sedução...
Lembro-me da sala, do maravilhoso piano Pleyel, com candelabros...onde Sergio Mendes, em um dia que apareceu por lá, de terno!  atacou uma "Aquarela do Brasil" cheia de oitavas que na época me pareceram excessivas.
E eram, pois como sabemos mudou não só o terno como o estilo.
O cheirinho da tia Lurdes sempre me parecia delicioso;quando me beijava eu parava uns segundos para sentir bem aquele perfume que me parecia só ela tinha.
Acabei descobrindo que não era perfume e sim um pó de arroz muito branco, como ela mesma, em uma caixa redonda com a figura de uma dançarina espanhola desenhada na tampa e o nome Myrurgia.
A casa, na minha imaginação infantil me dava a imnpressão de ser cheia de magia...cigana.
Tudo ali podia acontecer, as coisas mais inusitadas e belas.
Me lembro dos vizinhos, Caloga e Balu, e das tardes sob o caramanchão de florezinhas cor de rosa...ao som do violão de meu tio.
Sons do Carrilhão,era uma de suas peças favoritas.
Não me lembro de tê-lo visto tocando Bach...em publico;era muito exigente em relação a isso...
Tocava de bom grado peças mais populares quando tinha plateia.
Me lembro de bicicletas para todos os lados,para ir a praia...ao cinema, tomar sorvete em Icaraí.
Me vejo ainda bicicletando pelos quarteirões bem proximos,tardes de verão; eu levantava a mão, sem precisar sequer sair muito do selim e apanhava tamarindos, que eu ia comendo pelo caminho.
Em Niteroi, naquela época, nunca vi em meus passeios algum quarteirão onde não se ouvisse um Chopin meio mal tocado em algum piano.
Não sei de outro lugar onde todos pareciam fazer musica...
T ambém fui muito feliz naquela casa
que em minhas lembranças de infancia e adolescencia ficou associada á beleza magica de tantas sensações prazeirosas e  de muitas cores.
Até hoje, a primeira imagem que me vem á cabeça quando penso nela são estrelinhas, moedas e meias luas de metal dourado...como as que se aplicam nas fantasias de cigana, sobre um fundo de cetim purpura e vermelho...
Ali, babete, rabanéte, é diabete...djadero/buero...vovô grampo...johnny mathis/joão matias...ping yang e a casinha pequenina, tu te lembras?


Surf em Icaraí



No meu tempo (anos 50) a gente ia "deslizar" nas ondas que se formavam entre as pedras da curva da Itapuca. Ainda não existia a palavra "surf" e nem aquilo era considerado um esporte. As pranchas eram feitas de madeira maciça (táboas de 30 centímetros de largura que roubávamos das obras de casas ou edifícios em construção) e que levávamos para uma serraria que havia nos fundos do Hotel Casino Icaraí, onde hoje funciona a orquestra da UFF. Lá o "seu" Silva cortava o bico das pranchas redondo e colocava uma manete que segurávamos para "deslizar" nas ondas. Vinhamos deitados nas pranchas que eram quase da nossa altura. Alguns usavam pés de pato e os mais experientes deslizavam nas ondas ajoelhados sobre as pranchas. Algumas das pranchas tinham pinturas. O fundo do mar naquela região é muito pedregoso e por isso mesmo perigoso, além do que era coalhado de ouriços que nos deixavam com os pés todos espetados.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

8. Icaraí anos 50


O Trampolim

Desde que chegamos em Niterói passamos a frequentar assiduamente a praia de Icaraí. A água era limpa ao ponto de mergulharmos do trampolim que lá havia e apanharmos moedas sobre a areia do fundo. Quem era 'homem' pulava do último de cabeça. Eu nunca tive coragem. Pulava em pé, e a sola doia quando tocava a água.



Quando éramos adolescentes, a praia era o lugar onde encontrávamos os amigos, paquerávamos as meninas, jogávamos frescobol, pegávamos jacarés em dias de ressaca. Nas tardes e noites de verão era um desfile de bicicletas e um "footing"onde as meninas e os rapazes se exibiam mutuamente. As tardes de verão eram intermináveis. Todos bronzeadíssimos (naquele tempo a camada de ozônio ainda estava intacta e não se sabia o que era cancer de pele ou protetor solar). O trampolim ficava em frente à rua Lopes Trovão e por algum erro em suas fundações ele foi ficando cada vez mais inclinado para trás. Em 1965, já casado e com minha primeira filha Adriana bem pequena, assistí de meu apartamento, que ficava exatamente atrás do Clube Central, sua demolição com dinamite. O Clube Central era aonde se reuniam os 'filhos de família' rapazes e moças 'da sociedade' Os primeiros eram os mocinhos bonitos que jogavam basquete e as meninas 'debutavam' ao fazerem 15 anos em festas pseudo faraônicas. No carnaval havia os tradicionais bailes onde cheirávamos lança-perfume no banheiro.

O Clube Central


Eternas debutantes, Angela Carrapatoso ao centro com Marly Vasconcelos à esquerda e Dirce Costa à direita coroadas respectivamente rainha e princesas dos estudantes de Niterói.

Mais tarde, nessa mesma praia de Icaraí era aonde passeávamos à noite, Anna e eu de mãos dadas e acabávamos nos sentando para namorar na pracinha (praça Getúlio Vargas) em frente ao Cinema Icaraí, que ficava na esquina da praia com a rua Álvares de Azevedo.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Esta é a casa (e o sítio) de Visconde de Mauá


A casa
O sítio todo, que na verdade é um micro-vale

Esta casa eu construí, muito dela com minhas próprias mãos, num sítio de 12.000 metros quadrados que é na verdade um pequeno e exclusivo vale. O projeto foi feito com esmero pela arquiteta Suely Ferreira da Silva, discípula e continuadora da obra do arquiteto auto-didata José Zanine Caldas, que soube como ninguém explorar as possibilidades estruturais da madeira. A casa é muito bonita, tanto por fora, quanto por dentro. Tem três nascentes, muita água, um pequeno lago com carpas, muito verde e um silêncio quebrado pelo canto dos pássaros (seriemas que vêm bater com o bico na porta da cozinha pedindo comida, sabiás, tucanos, guachos e muitos outros, além dos gritos longínquos dos bandos de macacos sauás). Falando em bichos, certa vez apareceu junto ao lago um belíssimo lobo guará. Como nossa vida mudou completamente nos últimos dois anos, pouco temos subido a serra da Mantiqueira para desfrutar das belezas de Mauá e do frio de seu inverno, muitas vezes de temperaturas abaixo de zero, e por isso estamos vendendo o sítio. Se alguém tiver interesse, entre em contato comigo pelo telefone (24) 3360 2911.

7. O Liceu



A adolescência foi - como costuma acontecer com todo mundo - marcada por grandes mudanças. A principal delas foi meu ingresso através do que se chamava de "exame de admissão" ao primeiro ano do curso ginasial do Liceu Nilo Peçanha, que era o melhor colégio de Niterói. Era um grande colégio público que tinha tido alguma ligação com o Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, (até o seu uniforme se parecia com o daquele colégio) calças caqui com uma faixa lateral azul que ia da cintura à bainha, camisa branca, gravata preta e um dolmã em estilo militar com quadro bolsos fechados por botões de massa hemisféricos pretos. Nas golas havia uns ramos de folhas bordadas. Os sapatos eram pretos e eu usava umas botinas, que segundo minha mãe eram mais resistentes. O uniforme era rigorosamente verificado pelas inspetoras (havia uma inspetora para cada duas turmas). Eram funcionárias que tomavam conta de cadernetas de frequência, auxiliavam na vigilância à disciplina e à "cola" durante as provas. Lembro-me perfeitamente de duas inspetoras que minhas turmas tiveram: Dona Glorinha e Dona Mariá. O chefe delas era o temido "chefe de disciplina", "seu" Helvécio, sempre cheirando a bebida. Naquele tempo a educação secundária tinha dois ciclos: o primeiro, chamado "ginasial" com 4 anos, e o segundo de mais 3 anos com duas opções, o "clássico" e o científico". No ginasial tínhamos aulas de português, matemática, história do Brasil, história geral, geografia, ciências, francês, inglês, espanhol, latim, desenho, trabalhos manuais e canto orfeônico. No científico o curso modificava-se com um aprofundamento em matérias como matemática, física, química, biologia e as línguas. Este curso era preferido pelos alunos que desejavam seguir carreiras de engenharia, arquitetura, medicina ou entrar para as forças armadas. Já no curso clássico, a ênfase eram as línguas, entre elas um aprofundamento no latim e uma iniciação ao grego, e era para aqueles que desejavam ser advogados e professores.
No Liceu tive professores ótimos e péssimos além de ótimos colegas. Lembro-me de alguns professores do ginasial Professores: professor Cousin de história; Dona Esmeralda, professora de geografia; Dona Neusa - uma linda professorinha de português; professor Wezer, de história; professor Humberto Bittencourt Silva, de ciências; Dona Milita, péssima professora de matemática que me levou à 2ª época e depois me reprovou; professor Mendel Koifmann que desenhava no quadro negro um círculo perfeito a mão livre no qual também a mão livre, e a olho, colocava uma cruz no centro que tanto o círculo quanto o centro, podiam ser conferidos com o compasso, que eram perfeitos; professor José Nelino de Almeida, de português que achávamos que era gay (palavra que não existia naquela época); professor Tasso Chaves de Moura, de física com seus automóveis incríveis; Dona Iná de Carvalho Borges de trabalhos manuais, casada com "seu" Borges que foi o chefe de disciplina substituto de "seu" Helvécio; Dona Maria José, professora de francês; Dona Morgadinha, professora de história; Dona Malka, também de história que era uma balzaquiana bonita que ia à praia com a irmã mais velha em frente à rua Otávio Carneiro. O professor de latim era o padre Carneiro, um chato que falava como se tivesse um ovo dentro da boca e que também me levou à 2ª época. Um dia o padre Carneiro morreu. Foi a maior felicidade para todos os alunos que detestavam as suas aulas. As aulas foram suspensas e fomos ao seu enterro jubilosos. Havia também os professores que eram o terror dos alunos. Um dos mais temidos era o professor de matemática Benjamim Carias de Oliveira. Colegas me lembro também de alguns: Entre os rapazes, o José Carlos Teixeira, o Alcides Mitidieri, o Célio Thomaz de Aquino e seu irmão Hélio, José Ribamar de Faria Matos (Zequinha), o Raul Imbassahy e seu Irmão Luiz Ernesto, O Castanheira, o Alvinho e o Aluisio (que tocavam tarol na bateria da escola nos desfiles de 7 de setembro). Entre as meninas, a Vânia, a Ivânia, a Maria Lúcia Natalino Guanabarino, a Ceres que morava num edifício em frente à pedra da Itapuca, a Dalva Estrela, a ruiva Déa Villasboas. Durante o recreio tinha um serviço de alto-falantes que tocava um programa feito por alunos mais velhos, chamado "A Hora do Recreio". Dava algumas notícias e tocava músicas. Me lembro de ouvir Billy Ekstine cantando "I apologize". No recreio as meninas jogavam volei numa quadra cimentada e quando a bola ia para fora era apanhada pelos meninos que começavam a chutá-la selvagemente e algumas vezes a isolavam para fora dos muros da escola. Um dos alunos mais afeitos a este "esporte" era o Landri "Cabeção". Enquanto as meninas jogavam volei, os meninos ou jogavam futebol numa quadra grande que ficava atrás da Assembléia Legislativa (prédio vizinho ao Liceu) ou então numa quadra menor e mais afastada que ficava ao lado do Necrotério. Quando havia algum morto importante, nós subíamos no muro que separava o colégio do Necrotério para ver as autópsias. Gostávamos também de ver os cadáveres nús das mulheres. Entre esta pequena quadra e a maior onde se jogava futebol, havia uma mangueira gigantesca. Em baixo dela reunia-se uma turma para fumar escondido. Jogávamos também um jogo que foi o precurssor do atual volei de praia e que chamávamos de "dupla".

6. Viajandão

Não sei bem porque minha avó, que era uma pessoa muito firme e muito doce ao mesmo tempo, e por quem eu nutria grande afeição, decidiu me levar numa viagem que fez ao nordeste para providenciar a liquidação de bens de seus (e meus também) parentes que haviam morrido e deixado propriedades, bens, etc. Eu devia ter uns 9 para 10 anos. Embarcamos num navio misto de passageiros e cargas da Companhia Nacional de Navegação Costeira, o "Araranguá". Os navios da Costeira eram de dois tipos: os da classe "Ara", e os da classe "Ita" - estes últimos imortalizados na letra da música de Dorival Caymmi - 'Peguei um Ita no norte, e vim pro Rio morar/Adeus meu pai minha mãe/Adeus Belém do Pará'. Este da foto é um da classe "Ita", o "Itanagé". Mas o Araranguá era igualzinho.



Imagine para uma criança com a idade que eu tinha, o que significou esta viagem do Rio de Janeiro à João Pessoa a bordo de um navio no final dos anos 40. Minha avó me deixava muito à vontade, não ficava me controlando, e assim pude "explorar" o navio todo, desde a casa de máquinas até aonde as duas chapas de aço que faziam a sua proa se juntavam no vértice mais proeminente da embarcação. Lembro do navio saindo pela barra da baía de Guanabara, 'caturrando' nas ondas e eu com o peito encostado lá onde essas chapas formavam o bico do navio, olhando para baixo e vendo o bigode de espuma que se formava pela água sendo cortada pelo casco.
O navio ia pingando pelos portos da costa subindo em direção ao norte. Em cada porto ele atracava, descarregava e carregava (naquela época as ligações entre as regiões brasileiras não dispunham de uma malha rodoviária eficiente que as interligassem e o sistema nacional de transportes, parte ferroviário, parte rodoviário era precário, e estes navios de cabotagem, que é como eram chamados, eram os principais responsáveis por grande parte do abastecimento das capitais). Como diz a música do Caymmi, eles vinham do norte desde Belém do Pará, e iam até Porto Alegre no Rio Grande do Sul, descendo e depois subindo a costa brasileira carregando e descarregando mercadorias. Assim, paramos em Vitória, Salvador, Aracajú, Maceió, Recife e chegamos por fim a João Pessoa. A viagem deu-se durante o carnaval e havia bailes à noite no navio, animados por uma pequena orquestra de músicos de bordo, após o jantar na mesa do comandante. Parecia filme. Na Bahia ficamos uns dois dias e fomos conhecer uns primos distantes. Visitamos uma prima de minha avó, portanto minha também, abadessa de um famoso convento que produzia um licor delicioso cor de violeta. No Recife era pleno carnaval e desde o cais viam-se blocos de foliões.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Medicina socializada

Hoje fui a uma consulta médica num posto de saúde aqui de Resende. Fui extrema e eficientemente bem atendido. Não é só na Inglaterra que os serviços públicos de saúde funcionam.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

As voltas que o mundo dá


Hoje (2007) moro com minha mulher Anna em Resende já há pouco mais dois anos. Aqui temos nosso escritório onde trabalhamos como tradutores do Inglês para o Português. Nosso principal cliente é a Editora Record do Rio de Janeiro. Trabalhamos também para outras editoras e para empresas. Resende é uma cidade do interior onde as pessoas se conhecem, são mais atenciosas e a vida é mais calma. Não há a sensação de insegurança que se tem nas cidades maiores. Aqui temos uma de nossas filhas, a bióloga e professora Adriana que é casada com um militar da AMAN e a filha deles, a Julinha, nossa netinha.


Esta é a Júlia, a Jujú

Priscilla, nossa outra filha que é atriz, voltou de uma longa temporada morando em Bérgamo, na Itália e trabalhando por lá e pelo resto do mundo por onde andou (mais de 15 anos, entre idas e vindas). Ela é casada com o Ricardo Carlos Gomes, diretor de teatro que recém concluiu o grau de "doutor" em Roma. Voltaram para o Brasil e estão trabalhando para se estabelecerem aqui definitivamente (será?). Deles temos também a outra netinha, a Maria, que eu chamo de Maria Princesa que é como ela própria se chamava quando 'interpretava' uma princesa numa brincadeira que fazia junto com a Júlia, ambas vestidas com camisolas da Anna que pareciam vestidos longos nelas e se enfeitavam de jóias dos pés à cabeça.

E esta é a Maria Princesa

Temos também um sítio em Visconde de Mauá, no alto da serra da Mantiqueira aonde construímos uma casa linda mas que estamos querendo vender pois nossa vida mudou de direção e nosso trabalho exige que tenhamos uma infraestrutura de comunicação mais sofisticada, que Visconde de Mauá à despeito de seu clima e suas belezas naturais e cachoeiras, infelizmente ainda não oferece. Foi por esta razão que viemos para Resende.

Alguns trabalhos meus

Como pantaneiro que sou, desenhei estes PEIXES BRASILEIROS DE ÁGUA DOCE.
Clique aqui para vê-los e depois clique em "COMENTÁRIOS", abaixo e escreva o que achou.

5. Grupo Escolar Joaquim Távora

De meu curso primário no Grupo Escolar Joaquim Távora, no Campo de São Bento, ainda guardo vivas na memória muitas recordações. Os nomes de algumas de minhas professoras - Dona Zila Coutinho Teixeira, da primeira série (eu tinha então 7 anos), Dona Cicéia, na segunda série, que morava na rua Barros, hoje Ministro Otávio Kely, ao lado da Padaria Real do Seu Armando, onde se comprava além do pão cozido num grande forno à lenha, manteiga à peso que era tirada com uma espátula de madeira de dentro de uma grande lata e colocada sobre um papel - o chamado papel manteiga - na balança, e café que era moido na hora em uma máquina que tinha um depósito de vidro em sua parte superior que continha os grãos que eram triturados e moídos e saíam pela parte de baixo diretamente para um saco de papel. Na terceira série minha professora era a Dona Izaura e na quarta e quinta a professora era a mesma, Dona Jandira Abi-Ramia Fernandes. Eu era apaixonado platonicamente por uma de minhas coleguinhas que se chamava Lia Viana de Andrade e Souza. Ela tinha uma irmã mais nova que se chamava Lígia. Eram filhas de um piloto de aviões, acho que da Panair, e moravam em São Francisco, naquela época um lugar longínquo e com muito poucas casas, na rua Araribóia. Eu costumava ir de bicicleta até lá (era bem longe de minha casa) sempre com a esperança de vê-la, o que nunca aconteceu. Algumas vezes vi seu pai que era um homem bonito e tinha no meu imaginário uma aura de aventureiro. A mãe delas vi muitas vezes pela cidade. Era um tipo parecido com a Katherine Hepburn. Na escola eu não tinha coragem de sequer dirigir a palavra à Lia. Mas a achava linda e sonhava com ela. Jamais tornei a vê-la. A escola era muito alegre e interessante. Além das aulas propriamente ditas, havia outras atividades. Dentre elas, duas para as quais nos preparávamos durante o ano todo. Eram o Clube Panamericano e o Clube de Brasilidade. Eu pertencia ao primeiro. O objetivo era fazer com que interagíssemos, através de cartas que demoravam meses de ida e volta, com estudantes dos países americanos, e os membros do clube eram como que 'embaixadores' do Brasil naqueles países. Eu era o 'embaixador' do Brasil em Honduras. Uma vez por ano havia uma festa comemorativa com direito a um desfile e uma apresentação no palco do 'Pavilhão' ao som de 'Deus salve a América' que era tocado ao piano pela Dona Silvia, professora de música (que morava quase em frente à nossa casa), e cuja letra era mais ou menos assim: Deus salve a América/ Terra de amor/ Verdes mares/ Florestas/ Lindos campos cobertos flor/ Berço amigo/ Da bonança/ Da esperança/ Do altar/ Deus Salve a América/ Meu lar, meu lar. Depois eram distribuidas fitinhas coloridas aos alunos que tinham melhor se destacado durante o ano. O Clube de Brasilidade, por sua vez, tinha o objetivo de fazer com que os alunos conhecessem um pouco mais o Brasil, mas tinha um apelo ufanista getuliano - pois era o que se vivia na época - e, de alguma forma isso não me agradava. Como a Lia Viana de Andrade e Souza sequer olhava para mim, acabei, durante a quarta série me apaixonando, platonicamente outra vez, por uma linda menina lourinha que tinha um grande sinal na face esquerda que lhe dava um charme especial. Seu nome era Anne Marie de Menezes Ebert. Ela igual sequer me notou. Durante os recreios as brincadeiras dos meninos eram brincar de escambida - um jogo de pegar que se escondia e trazê-lo para o seu lado para ajudar a pegar os que ainda não tinham sido achados, e jogar bola de gude em três tipos de jogo diferentes: 3 búricas, beú, e círculo. Nas 3 búricas o objetivo era percorrer fazendo com que a bola fosse jogada sucessivamente dentro de cada uma das búricas - pequenas covas no chão - um percurso de ida e volta no qual quem errasse poderia ter sua bola mandada para longe por um teco do adversário. Quem chegasse primeiro na volta à primeira búrica ganhava e ficava com as bolas dos adversários. No beú, era desenhado uma forma fusóide no chão onde cada jogador 'casava' suas bolas, como se fossem fichas num jogo de cartas. Do beú os jogadores atiravam suas bolas em direção a uma linha riscada no chão que ficava distante uns 4 metros e a ordem de jogar então obedecia à maior proximidade das bolas de cada jogador desta linha. A esta primeira jogada classificatória, dava-se o nome de 'tirar o ponto'. Desta linha então as bolas eram atiradas em direção ao beú com o intuito de deslocar para fora deste as bolas que lá estavam 'casadas' que eram então ganhadas por quem as deslocava, até que errasse quando aí o próximo jogador pela ordem do 'ponto tirado' fazia a mesma coisa. Quem era muito bom jogador de bola de gude recebia o qualificativo de "bide". O círculo era, em essência semelhante ao beú com a diferença de que tinha uma pequena búrica no centro que era o alvo do 'ponto', de tal forma que as bolas dos jogadores atiradas de fora do círculo deveriam se aproximar o mais possível desta búrica do centro - ou mesmo cair dentro dela, o que era muito difícil - para estabelecer a ordem das jogadas. As bolas de todos eram casadas no interior do círculo e ao deslocá-las para fora deste, quem as deslocava ficava com elas.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

4. Fraturas

Foto de André Claudio V. de Mendonça

Neste caramanchão aí do Campo de São Bento, brincando eu caí e quebrei o braço pela primeira vez. Era o meu braço esquerdo (eu era canhoto). Após tirar o aparelho de gesso um mês depois, caí outra vez, não me lembro como nem onde e quebrei o mesmo braço, no mesmo lugar. Mais um mês para tirar o novo aparelho de gesso e eu estava 'pegando jagaré' numa ressaca na praia de Icaraí e quebrei o braço, o mesmo e no mesmo lugar, pela terceira vez. Com medo de levar uma bronca em casa não contei nada a ninguém. Era um domingo, e aos domingos após o almoço o programa dos adolescentes era ir ao cinema Icaraí, sessão das 2 horas, para fazer bagunça. Ao final da sessão, quando saí do cinema meu braço doia muito e estava roxo e inchado no lugar da fratura. Meu irmão mais velho que era estudante de medicina me levou ao Hospital Antônio Pedro onde fui mais uma vez entalado mas a fratura tinha sido muito complicada e eu tive que ser atendido num hospital no Rio que fica à direita na entrada do tunel novo. Fui tratado por uma equipe de ortopedistas que usavam a última tecnologia da especialidade. Sofri muito mas acabei ficando bom. Como consequência tive que aprender a escrever com a mão direita pois tinha que fazer as provas parciais - que eram provas no meio e no fim do ano letivo e que eram as que permitiam que se 'passasse de ano'. Essas provas tinham duas etapas: as provas escritas e as provas orais. E não tinha como driblá-las. Tive que fazer as provas escritas escrevendo com a mão direita. Daí em diante passei a ser meio ambidestro.

3. Infância #2

Foto de André Claudio V. de Mendonça

No Campo de São Bento brincávamos de Tarzan em suas árvores. Lá também ficava o Grupo Escolar Joaquim Távora aonde fiz o meu curso primário. O colégio tinha um grande prédio que abrigava simultaneamente uma quadra de basquete/volei, quatro salas de aula, um palco e arquibancadas que ficavam sobre duas das salas de aula opostas ao palco. Além deste prédio que era conhecido pelo nome de "Pavilhão", tinha outro que ficava mais perto da rua Lopes Trovão e que abrigava duas salas de aula e uma cantina aonde era preparada a merenda que era servida na hora do recreio pela Dona Elza, uma mulata grande e gorda. A merenda era uma caneca de alumínio cheia de leite morno ou uma espécie de canjica servida num prato também de alumínio. De casa nós levávamos um pão com goiabada ou outra coisa qualquer embrulhada em papel de pão (coisa que não existe mais) que era um papel reciclado cinza. Mais perto ainda da rua Lopes Trovão e quase em frente à rua Mem de Sá ficava um outro prédio de dois pavimentos que tinha quatro salas de aula, duas em baixo e duas em cima. Outro pequeno prédio perto deste era um banheiro, metade para os meninos e metade para as meninas, que era chamado de "casinha". Além dessas construções, havia o "Gabinete" que era aonde funcionava a administração (diretoria, sala dos professores, secretaria) e a biblioteca. Era um prédio de arquitetura muito interessante com uma varanda que o circundava e da qual a diretora, Dona Alzira, anunciava o início e o fim das aulas, o início e o fim do recreio tocando um sinal que na verdade era um guizo enorme, maior que uma bola de bilhar, que ela sacudia durante certo tempo enquanto dava a volta pela varanda. O recreio era no Campo de São Bento todo. Como havia mais turmas do que as salas de aula podiam abrigar, algumas turmas tinham aulas em espaços ao ar livre chamados de "bosques". Gostávamos muito quando chovia pois as turmas que tinham aulas nos bosques naqueles dias estavam dispensadas das aulas. Havia também um prédio lindo que existe até hoje (os demais foram demolidos para dar lugar a um prédio mais moderno) e onde era a caixa dágua do colégio. Este prédio é em forma de torre com uma escada em caracol em seu interior e na parte de cima tem uma varanda em toda a volta. Fica justamente em frente ao início da rua Mem de Sá.

Foto de André Claudio V. de Mendonça

2. Infância

A casa foi comprada na rua Herotides de Oliveira nº 29. Naquele tempo a rua não tinha calçamento e era de uma areia branca como areia da praia. Essa rua fica entre as ruas Lopes Trovão e a rua Miguel Couto, em frente ao Campo de São Bento, que é um grande jardim público no bairro de Icaraí. Era uma casa suficientemente grande para a nossa família. Era uma construção dos anos 30 com acabamento exterior em revestimento de pó de pedra cinzento. Embora não me lembre da planta original, a casa tinha 4 quartos, duas salas, copa, cozinha e um banheiro grande. À volta da casa, pela parte da frente e de um dos lados havia uma grande varanda em 'L' com um piso em ladrilhos hidráulicos sextavados verde-garrafa. Nos fundos uma garagem e um anexo que funcionava como quarto de empregada. Um grande quintal com uma quantidade inacreditável de árvores frutíferas. Tinha uma mangueira enorme em cima da qual brincávamos, várias bananeiras, vários mamoeiros, figueira, pé de fruta de conde, goiabeira, tangerineira, limoeiro, pitangueiras, limeira da pérsia, sapotiseiro e talvez mais algumas que não me lembro. Na varanda brincávamos de jogar futebol de botão e também de guerra de soldadinhos de chumbo. Uma vez arrumamos nossos exércitos para um combate e fomos chamados para almoçar. Quando voltamos do almoço não encontramos mais nossos exércitos. Foram roubados por alguém que passou por ali. Naquele tempo a indústria de brinquedos, como de muitas outras coisas, era incipiente e nós fabricávamos muitos de nossos brinquedos. A segunda guerra mundial tinha recém acabado, mas ainda era um assunto palpitante e nós faziamos aviões de barro imitando os de verdade (que víamos nas figurinhas que colecionávamos e que se chamavam "Asas da Vitória") que eram postos para secar, em esquadrilhas, ao longo da calçada. Com o tempo fomos conhecendo os outros meninos da vizinhança e fazendo amizades e inimizades com eles. Em frente à nossa casa moravam o Bentinho e o Zé Maria que eram da idade de meus irmãos mais velhos. Lembro de uma briga que meu irmão Ajugusto teve com o Bentinho mas não me lembro o motivo. Só sei que quase saíram no tapa. Mais tarde, na mesma casa veio a morar um oficial do exército, o capitão Túlio Madruga, e sua esposa Dona Zélia. Ele era simplesmente chamado por nós de "seu" Capitão. Tinham dois filhos, o mais velho, cujo nome não me lembro e o mais novo chamado Túlio, como o pai, mas que atendia por Tuliozinho. Eles eram da minha idade mas não brincávamos muito com eles, não me lembro o motivo. Havia mais crianças de nossa idade: os irmãos Werner e Horst, hoje falecido; o Celso, filho de Dona Sílvia que era professora de música do Grupo Escolar Joaquim Távora; o Wigberto que tinha uma irmã e um irmão mais velhos e em casa de quem íamos brincar com seu trem elétrico Marklin. O Bobby e a Sheila, filhos de ingleses que tinham uma irmã mais nova chamada Vivian e que moravam numa casa enorme onde mais tarde veio a morar outro inglesinho chamado Thimoty, vulgo Timy, que não andava de patins conosco "para não sujar as rodas".

1. De Corumbá para Niterói

Fazem alguns (poucos) anos que não vou a Niterói onde vivi 50 anos. Era 1945 quando minha família: minha avó, meus pais, meus três irmãos e eu, chegamos de Corumbá onde eu nasci em 1940.
Meu pai vinha depois de ter terminado seu contrato de trabalho para trabalhar como chefe da seção de desenho da Comissão Mista Ferroviária Brasileira Boliviana que estava construindo uma estrada de ferro que atravessaria os Andes e ligaria a cidade de Santos no Litoral de São Paulo à cidade de Arica que é uma província do Chile localizada na região de Tarapacá, fazendo assim a ligação entre o Atlântico e o Pacífico e beneficiando a Bolívia com uma saída para o mar.

Viemos num trimotor Junkers JU 52 como este da fotografia acima cuja fuselagem era de alumínio corrugado feito porta de armazém e que fazia um barulho ensurdecedor. A aeromoça distribuía algodão para que colocássemos nos ouvidos. Não tinha pressurização, voava muito devagar - a viagem de Corumbá ao Rio de Janeiro demorou 9 horas. Eu tinha 5 anos de idade mas me lembro até do casaco que estava usando, sobretudo dos botões que eram uns hemisférios de couro marrons. Meu irmão mais novo usava um casaco igual. Ambos os nossos casacos tinham sido de nossos dois irmãos mais velhos e tinham sido guardados para nós usarmos um dia. E o dia foi aquele. A falta de pressurização e de um revestimento adequado da cabine dos passageiros contribuíam para que a temperatura baixasse e desse utilidade aos casacos que provavelmente jamais seriam usados no calor de Corumbá. Não me lembro como foi nossa chegada ao Rio e para onde fomos imediatamente. Fomos morar no bairro de Icaraí que na época era assim:

O mais para trás que minha memória vai é de nossa instalação no Icaraí Palace Hotel, que ficava na esquina da Praia das Flechas com a rua Paulo Alves. Eu achava o hotel enorme. De seus jardins em frente à praia o acesso era feito através de uma escadaria que se dividia em duas do meio para o fim. O apartamento onde ficamos por algum tempo tinha um pé direito altíssimo e a janela que dava para frente, portanto para a praia era muito alta. À noite ouvia-se o barulho das ondas quebrando na praia. Depois de algum tempo mudamo-nos para uma pensão na Praia de Icaraí, a pensão Alvear, que ficava no meio do quarteirão entre as ruas Lopes Trovão e Presidente Backer. Tanto no Icaraí Palace Hotel quanto na Pensão Alvear ficamos pouco tempo, pois meu pai estava procurando uma casa que pudesse comprar, o que acabou acontecendo.