sexta-feira, 30 de novembro de 2007

13. A Vela


Quando completei 11 anos, muitos de meus amigos da época eram escoteiros do mar e algum deles, não me lembro qual, me levou para entrar para o 4º Grupo de Escoteiros do Mar, a tropa Gaviões do Mar. Fui admitido após uma série de formalidades. A tropa tinha sua sede num prédio mais do que centenário na ilha da Boa Viagem. Na ilha, além da nossa sede, havia também uma igreja antiquíssima, um fortim que ajudou no combate aos invasores franceses à Baía de Guanabara e um outro prédio que servia de depósito para nossos equipamentos de marinharia (cabos, velas, remos, etc.) A Patrulha da Gaivota à qual eu pertencia, contava com muitos garotos da minha idade que gostavam de mar e barcos à vela. Entre eles Guguta (José Augusto de Lima Rocha), Marujo (José Álvaro Batista - que não gostava do apelido, Raul e Luiz Ernesto Imbassahy, e Nestor. O chefe era um cara mais velho chamado Cláudio. Para a admissão, depois das formalidades de praxe, os escoteiros veteranos obrigavam os novatos a fazerem uma volta completa na ilha (nossas reuniões eram realizadas à noite), passando pelas ruínas do fortim que se diziam mal-assombradas. Era um batismo de fogo e dava um certo medo. Não havia qualquer iluminação e só se ouvia o barulho do mar e do vento. Embora o código disciplinar dos escoteiros fosse - e ainda é - bastante rígido, nós da Patrulha da Gaivota tínhamos a indisciplina própria dos meninos daquela idade. O 4º Grupo de Escoteiros do Mar, o nosso, tinha dois barcos grandes. Um que se chamava UAUIARÁ - que em língua dos índios quer dizer boto, e outro cujo nome não consigo me lembrar, mas que também era um nome indígena. O primeiro era apelidado carinhosamente de Iaiá e era na verdade um velho, porém perfeitamente bem conservado, escaler do encouraçado "Minas Gerais", um navio de guerra que era a nau capitânea da Equadra Brasileira, construido em 1910 que tinha sido desativado. O Iaiá pode ser visto na foto, pendurado no alto em seu suporte a meia nau.


Curiosamente foi quando da vinda do Minas Gerais para o Brasil que alguns dos suboficiais de sua tripulação tiveram a idéia de implantar o escotismo recém criado por Baden Powell. Mas o Iaiá ostentava a classificação NAM 13, na qual esse NAM queria dizer Navio de Alto Mar. Era portanto um grande barco de casco trincado com dois mastros e três velas, da popa para a proa, a grande, o traquete e a buja. Tinha além disso quatro pares de remos enormes e pesadíssimos que se usavam nas manobras de atracação ou quando havia outras necessidades de navegação. Esses remos não tinham forquetas, e eram encaixados em recordes apropriados revestidos de bronze nos bordos da embarcaçao. Não possuía bolina e portanto 'derrapava' muito no vento de través forçado. Mas numa empopada, com vento forte, podia até rebocar um de nós fazendo aquaplanagem em pé sobre um de seus enormes paneiros (painéis que revestem internamente o casco fazendo uma espécie de assoalho). Foi no Iaiá que todo fim de semana velejávamos na enseada de São Francisco. O barco andava bem, armado com suas três velas - a buja ia lá na proa com a parte de baixo da testa presa na ponta do gurupés.
Nesta foto antiga podem ser vistos o Iaiá que é o maior e está atrás do outro barco que pertencia a outra patrulha.


Mais tarde, não sei exatamente quem, doou cinco sharpies meio velhos para a tropa. Eles também receberam nomes indígenas dos quais não me lembro. Neles podíamos velejar com mais conforto e velocidade, ensaiando regatas entre nós. Algumas vezes íamos fazer acampamentos nas ilhas do fundo da baía da Guanabara (Paquetá e Jurubaíba). Era muito bom. Nossas mães ficavam extremamente preocupadas com nossas aventuras marinheiras. Na volta de um dos acampamentos que fizemos num carnaval em Paquetá, pegamos um violento temporal que rasgou nossa vela grande e também a buja. Como tínhamos levado por sorte uma pequena buja para temporal, foi com ela que conseguimos chegar a salvo na ilha da Boa Viagem após uma travessia que durou 13 horas e que me deu muito medo. Só tínhamos um pouco de goiabada molhada de água salgada a bordo e nenhuma água. Deu medo. A tripulação desse barco, nessa viagem era Marujo no leme e Nestor e eu como proeiros. Os sharpies, com suas velas grandes armadas em carangueja, eram como esses que são vistos na foto abaixo.



Alguns anos mais tarde nosso irmão Sergio, não sei bem por que resolveu comprar um barco a vela e comprou um barquinho da classe Cadet que começava a ser construído no Brasil, e do qual realmente só vi dois. O dele, que originalmente se chamava "Knorke" - que não sei o que significa, mas que ele rebatizou de "Pangaré", que era meio que o seu próprio apelido, e um outro que era de dois irmãos que moravam perto de nossa casa, na rua Lopes Trovão em frente à arquibancada do estádio Caio Martins. O "Pangaré" tinha o casco preto e o convés e o fundo brancos. Como se pode ver na foto, o Cadet era um barco muito pequeno (3,12 m) e se destinava à iniciação de meninos e adolescentes no esporte da vela. O Sergio na verdade quase não velejou no barco, até mim e por Balu, meu irmão mais novo. O barco ficava guardado no Iate Clube Icaraí, que fica em frente à saída do túnel que liga Icaraí ao bairro de São Francisco. Naquela época o tunel estava apenas furado de lado a lado, mas as obras de acabamento tinham ficado paralizadas. Atravessávamos de bicicleta por entre enormes blocos de pedra que tinham ficado para ser retirados depois que foram removidos a dinamite. O chão era irregular, cheio de enormes buracos e grandes poças d'água. Era completamente escuro mas cortava um grande caminho. Curtimos muito o "Pangaré" até que Sergio vendo que não o usava acabou por vendê-lo.


Ainda andei velejando com alguns amigos que tinham barcos maiores (Lightnings) mas logo que comecei a namorar a Anna, como meu interesse maior era naturalmente estar com ela, minha carreira náutica foi ficando cada vez mais rarefeita até que se extinguiu por completo. A Anna tinha medo de velejar.

Ontem, 25 de novembro de 2008, recebi um e-mail do Guguta que transcrevo abaixo e que diferentemente do que eu pensava em relação aos nomes dos sharpies que a nossa tropa de escoteiros do mar ganhou, ele tem uma lembrança precisa daqueles nomes e de quem os doou:

"Caloga, os nomes dos barcos "Alfa", "Beta", "Zeta" e "Gama", doados por Leopoldo Geyer, fazem parte da nossa infância.
Abraços,
Guguta"

O Alex Ripol, que também foi escoteiro do mar da tropa Gaviões do Mar, a mesma a qual eu pertenci, encontrou-me aqui neste blog e conversa vai, conversa vem, me mandou crônicas que escreveu sobre seus tempos no escotismo e nesta última semana (4 de fevereiro de 2009) me nadou uma bela maquete que construiu do nosso velho Uauiará. Coloco aqui ao lado uma foto de seu trabalho para que todos vejam como era aquele escaler do cruzador Minas Gerais. Parabéns, Alex, muito bonita e bastante fiel sua miniatura do nosso NAM 13.


4 comentários:

Anônimo disse...

caro colega de ilha...o nome do outro escaler era CAURÉ ! boas recordações
Lino

Jorge Sader Filho disse...

Caloga, são boas recordações. Seu irmão Balu foi meu primeiro amigo, quando cursamos juntos o Joaquim Távora, alunos de D. Zila. Conheço você também, mas não muito, do Liceu. E esta moçada que você mencionou, conheço todos!
Grande abraço.
Jorge

Sancho disse...

Prezado Carlos
Eu fui escoteiro do Grupo de Escoteiros de Nossa Senhora da Boa Viagem, que tinha sede no Iate Clube Brasileiro. Fizemos muitos acampamentos na ilha de Jurubaíba, no fundo da Baía de Guanabara. O nosso chefe escoteiro era uma figura lendária chamado Heinz Zech, que tinha uma casa em Jurujuba. Bons tempos aqueles!!!

osamunit disse...

https://www.facebook.com/groups/180849282058293/?fref=ts

Comitê de Reabertura do GEMAR Nsa Sra da Boa Viagem

Próxima Reunião:
Terça feira, dia 07 de junho de 2016 - 20h
Pauta: Estatuto, Lista de interessados, sede.
Local: Hostel Gragoatá, rua Prof. Hernani Melo, 92, São Domingos.
Em frente à policlínica e Biomédico da UFF, esquina com Andrade Neves.
Tel 3619-8187. Tel do Marcelo Lavoyer: 96621-4599 (Vivo e WhatsApp).
Sempre Alerta!