quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

32. Enfurnado no computador

Naquele tempo (1988) toda essa coisa da computação pessoal, do PC era absolutamente inédita. Me lembro de ter ido lá em casa gente que eu nem conhecia para ver o meu recém comprado 286. Devia ser um dos primeiros da espécie, pois até então só havia os chamados XT que eram muito precários. Aliás, recebi o meu 286 do contrabandista no meio da rua Belfort Roxo em Copacabana. Ele abriu a mala de seu carro e eu a do meu e rapidamente tiramos as caixas do carro dele e passamos para o meu. Era como se estivéssemos transportando cocaína e trocando de carros para despistar a polícia. Fui voando para casa doido para ligar tudo e, tal qual uma criança que acaba de ganhar um trem elétrico (acho que hoje em dia as crianças não ganham mais trens elétricos, e sim videogames, ou talvez nem isso, mas sim algum outro invento tecnológico) ver aquilo funcionando. E foi o que fiz. Só que eu ainda não sabia, mas ele vinha sem qualquer programa, e assim nada pude fazer, embora realmente não soubesse, fazer nada. Rapidamente consegui os programas que o fariam funcionar e dois dias depois estava experimentando as primeiras possibilidades. Fiquei absolutamente fascinado. Abria-se um mundo novo que ainda permanece aberto até hoje e alargando-se cada vez mais. Mas eu tinha que ganhar a vida pois a indenização da White Martins, embora boa, estava acabando. Fui conseguindo um trabalho aqui, outro ali e assim me mantendo e mantendo a vida. Um de meus clientes mais assíduos foi o saudoso e velho amigo Arino de Mattos Filho para quem eu já havia trabalhado no tempo da prancheta. Arino, entre outros talentos, era poeta e trocava suas poesias com intelectuais, como ele, pelo mundo (gente como Garcia Marques e alguns poetas galegos). Encorajei-o a editar suas poesias e a manda-las para seus amigos em forma de livros feitos artesanalmente por mim. Comprei uma impressora a laser, também de contrabando, que custou outra fortuna (US$ 1.800) e produzi uns 10 livrinhos artesanais primorosamente impressos e acabados, todos eles com uma tiragem reduzida (30 a 50 exemplares) que ele trocava com seus pares. Eu usava basicamente um software que nem existe mais chamado Ventura Publisher, além da primeira versão do Corel Draw, que era a 1.0. Além de outros trabalhos que fiz com aquele velho 286, esses livrinhos do Arino me propiciaram dinheiro suficiente para ir com a Anna à Europa, visitar nossa filha que já estava há alguns anos trabalhando em Bérgamo, na Itália.

Naturalmente este novo recurso tecnológico fez com que eu mudasse o conteúdo e a forma de minhas aulas no Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF e naquele longínquo ano de 1989 levava meu computador para lá e mostrava para meus alunos o que era aquela ferramenta com a qual iriam trabalhar num futuro que já batia à suas portas. A UFF, como sempre carente de recursos, só conseguiu implantar um "laboratório" de informática no IACS alguns anos mais tarde, depois de eu ter mostrado a sua importância. O tal "laboratório" era composto de apenas 5 computadores que viviam enguiçando e voltavam à funcionar graças à habilidade e aos gatilhos do Clay, que era o funcionário encarregado da manutenção dos equipamentos do IACS de toda a natureza. A sala do tal "laboratório" tinha goteiras e algumas vezes chovia em cima dos equipamentos, danificando-os. Muitas vezes levei os alunos para o meu próprio estúdio, em minha casa em Pendotiba e dava minhas aulas lá, pois os computadores do IACS estavam enguiçados.
A minha relação com os computadores pessoais começou naquele 1988 e até hoje permaneço enfurnado nesta máquina que me permite ganhar o pão de cada dia e o leitinho das crianças.

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