Enquanto no pa-tro-pi rolava a cana dura, na "terra da liberdade" a juventude cujos pais, avós, bisavós, trisavós, tetravós e quase todos os ascendentes, desde os peregrinos vindos no Mayflower (estes contra os índios que habitavam o país originalmente) até John Wayne (este contra os índios de celulóide), tinham lutado numa guerra que não era deles e que só serviu para de alguma forma enriquecer o país (salvo raras exceções como o hoje Muhammad Ali que na época ainda se chamava Cassius Clay e outros tão corajosos quanto ele que rasgaram seus certificados militares e disseram NÃO à guerra), o resto da rapaziada fazia sua catarse em Woodstock. "Make Love, not War". Foram 3 dias de sexo, drogas e rock'n'roll.
Era o único jeito de aguentar com os Nixons e Lyndon Johnsons que faziam o "Apocalipse Now", then. Meu curso no Institute of Design ia indo muito bem. Eu continuava sendo o CDF que havia sido na ESDI. No início aconteceu um fato incrível que me marcou profundamente em meio à dificuldade que eu estava experimentando na adaptação à uma vida nova, num país estrangeiro, com mulher e duas filhas para sustentar. Ao final de minha primeira aula de algo como a cadeira de Metodologia Visual que eu tinha tido na ESDI, onde o professor fez a chamada, falou sobre o que seria aquele semestre com ele e distribuiu entre os alunos um papel com todas as tarefas que deviam ser cumpridas no semestre, os alunos (todos americanos) se levantaram e foram embora e eu fiquei na minha prancheta. O professor olhou para mim e eu para ele. Levantei-me e fui até a sua mesa e com a dificuldade e a insegurança iniciais falei quem eu era, (como diria o Belchior: "eu sou apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior"), o que pretendia e perguntei onde se compravam os materiais necessários à realização de todas aquelas tarefas do semestre (que eram muitas - toda a semana havia uma aula com aquele professor na qual alguma das tarefas, que não eram fáceis, devia ser apresentada cumprida). Ele respondeu algo que não compreendi muito bem mas fiquei com vergonha de pedir para que ele repetisse, mas senti que soava como uma negação. Entendi menos ainda. No dia seguinte, aquele professor me procurou (não era ainda a aula dele, que só seria na próxima semana) com um envelope gordo de cartão nas mãos (o maior envelope que jamais tinha visto - devia ter uns 80 x 60 centímetros) e me entregou. Dentro dele havia TUDO que seria necessário para que eu produzisse TODAS as tarefas que ele havia proposto. Nos olhamos nos olhos e naquele momento aconteceu aquele "entre" do qual falava Norbert Wiener, o "pai da cibernética". Este professor que a partir daquele momento tornou-se o melhor amigo que eu tive enquanto estive no ID chamava-se Carl Regehr.Ele era, em relação a Chicago, assim uma espécie de Aloísio Magalhães. Designer conceituado, intelectual, ótimo papo, grande figura.
Um dia ele me levou a Champaign-Urbana uma cidade universitária no estado de Illinois a umas 2 horas de carro de Chicago. Fomos em seu Volkswagen Camper, uma espécie de Kombi adaptada para acampamento. Champaign-Urbana é um lugar fantástico. Uma linda cidadezinha onde 99% da população é de estudantes e professores. Regher dava aulas lá e estava me levando para me apresentar a seus colegas professores numa reunião que antecedia a cerimônia de formatura de seus alunos. Fui apresentado elogiosamente como um designer brasileiro e imediatamente convidado para trabalhar lá como professor. A proposta era tentadora e me deixou sem saber o que responder. Eram tantas as coisas nas quais eu tinha que pensar: minha família, mulher, educação de minhas filhas naquele país, minha cultura, minha carreira, tanta coisa... Eu não tinha maturidade para assumir tudo aquilo. De qualquer modo o ego foi à estratosfera.
Quando nos despedimos - dele e de sua mulher Elaine que foram nos levar no O'Hare Airport - entre muita emoção, eu disse com tristeza que talvez jamais voltaríamos a nos ver novamente e que eu estava indo para muito longe. Ele me disse com candura e simplicidade que continuávamos juntos como tripulantes e que eu estava apenas indo para outro compartimento da mesma espaçonave. Me deu um beijo e nos desejou boa sorte.
Quando nos despedimos - dele e de sua mulher Elaine que foram nos levar no O'Hare Airport - entre muita emoção, eu disse com tristeza que talvez jamais voltaríamos a nos ver novamente e que eu estava indo para muito longe. Ele me disse com candura e simplicidade que continuávamos juntos como tripulantes e que eu estava apenas indo para outro compartimento da mesma espaçonave. Me deu um beijo e nos desejou boa sorte.
Um comentário:
Muito legal Caloga, compartilhar a tua visão pessoal destes acontecimentos históricos. Coisas qua a gente já conversou, mas que assim você está compartilhando virtualmente com todos. Ouro em pó.
Muito legais as imagens que você descolou (adorei a do Jimmy Hendrix).
Vou mandar um e-mail pro Marquinhos falando do teu blog. Ele vai adorar.
Beijo,
Ricardo
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